Startup Way: A evolução do framework Lean Startup

A evolução necessária do modelo de operação Lean Startup nas organizações para alcançar a transformação digital de forma rápida e sustentável



Passados 6 anos do nascimento do movimento Lean Startup, grandes empresas ainda patinam na hora de estabelecer modelos de negócio ou mesmo modelos de operação capazes de acompanhar o novo mercado digital. Observando essas companhias - e suas tentativas frustradas como as de criar bolhas de inovação na esperança de escalar formatos de operação ágeis - o mentor do movimento Lean Startup e autor do bestseller de mesmo nome, Eric Ries, desenhou um novo framework que promete resolver esse impasse. Esse paradigma está descrito no novo livro de Ries, The Startup Way: How Modern Companies Use Entrepreneurial Management to Transform Culture and Drive Long-Term Growth, lançado em outubro.

Esse novo formato apontado por Ries, inclusive, foi tema central da última Lean Startup Week, ocorrida em outubro de 2017 em São Francisco, nos Estados Unidos. Na platéia, o que menos se via eram representantes das novas empresas digitais que dão nome ao evento. Ao invés deles, altos executivos das maiores companhias do mundo dividiam o espaço no auditório e nas visitas às startups e também muitas inquietações em relação aos caminhos que deveriam ser tomados rumo ao digital. 

 

Em um dos painéis, os participantes eram convidados a fazer proposições de temas. Questões operacionais (“Como substituir o planejamento anual por metas por quarter”) e relacionadas à transformação da cultura (“Como abandonar o formato do comando e controle?”, “Como estabelecer times auto-organizados?”, “Como valorizar as falhas?” e “Como estabelecer um mindset de inovação?”) reinavam, mostrando que essas dores não têm fronteiras.


No palco, o próprio Eric Ries e Alexander Osterwalder, criador do Business Model Canvas, e outros especialistas ofereciam as suas contribuições para ajudar os participantes nesses desafios compartilhados. Os caminhos apontados - depois de acompanhar os erros e acertos cometidos por startups em crescimento e empresas tradicionais em suas jornadas de transformação digital com framework do Lean Startup - dizem respeito à necessidade de conciliar as agendas de inovação e operação habitual para alcançar de fato a capacidade de construir produtos de sucesso e o crescimento no ambiente digital.

Aqui, vamos trazer uma visão geral sobre essa trajetória apresentando os atalhos oferecidos por Ries e Osterwalder e analisando esse novo modelo sob nossa consistente experiência em guiar empresas em suas transformações Lean Digital.


Do Lean Startup ao Startup Way

Quando, em 2011, Eric Ries reuniu no seu The Lean Startup o framework que veio a compor o novo firmamento das empresas que nasceram digitais e das que pretendiam se transformar nessa direção, a novidade era a necessidade de identificar o que é valor para o consumidor e trabalhar com MVPs (produto mínimo viável) que minimizassem os investimentos necessários para atendê-lo com velocidade. No livro, ele apresentou e popularizou esse modelo de gestão e operação das startups, seu mindset, e explicou que são empresas que nascem em cenários de ambiguidade e incertezas e, por isso, focam as suas operações em ter flexibilidade e agilidade para descobrir continuamente as reais necessidades e desejos dos clientes. O centro não está mais no produto em si, nos planejamentos e projetos, mas em passar - ou reconhecer - o poder às mãos do cliente e oferecer experiências de alto valor rápida e constantemente.
 
"A portfolio approach grounded in customer development ensures you focus on learning and manage your resources"
Martin Ericksson, Product Management Leader



É o princípio do Build, Measure e Learn, segundo o qual é preciso, primeiro, conhecer o cliente com base em dados provenientes de observação, pesquisas e de todos os pontos de contato. E, com equipes multidisciplinares e ágeis, analisar os dados e criar hipóteses para construir, testar e medir, em um circuito de aprendizado contínuo que traz velocidade aos ciclos de vida dos produtos, desde a ideia inicial até as mãos do consumidor.





No coração dessas operações está o “pense grande, comece pequeno e, depois, gere escala” a partir desse ciclo de desenvolvimento do produto. As empresas devem começar por ter uma visão ousada para resolver um problema do consumidor, gerar estratégias baseadas em hipóteses de como gerar valor e construir esse produto dentro do looping descrito acima. Essas são as pedras fundamentais do The Lean Startup. Isso caracteriza o modelo que proporciona inovação contínua com velocidade à empresas como Amazon, Spotify, Uber, Airbnb e Pinterest.






No modelo do The Startup Way,  as empresas devem começar pela visão de como resolver o problema do consumidor, gerar estratégias baseadas em hipóteses de como gerar valor e construir produtos a partir daí.


Dado o cenário e a fórmula, como já dito na abertura deste texto, as empresas tradicionais lançaram mão de desenvolver iniciativas com times ágeis e multifuncionais, mas não conseguiram ganhar escala nem acelerar os processos da empresa. Absorveram startups ou criaram “laboratórios de inovação” que rodam, com sucesso, apenas os projetos ou processos que estão em suas mãos. Isso porque, com o apoio do C-Level, esses times estão blindados da burocracia que recai sobre todas as outras áreas da empresa que ainda funcionam sob o modelo de gestão comando e controle. Enquanto uns têm o aval para experimentar e ousar, os demais seguem com métricas que os engessam e geram um mindset de aversão ao risco.
 
“You cannot invent and pioneer if you cannot accept failure.”
Jeff Bezos, CEO Amazon


O que fazer quando se tem uma ideia nova em uma empresa com esse tipo de funcionamento? Como fazer essa ideia se tornar realidade? O caminho que as pessoas seguem é o de falar com o seu superior, que vai conversar com o respectivo líder e, se algum dia alguém achar a sugestão interessante, ela vai entrar em planejamento e produção. Perdeu-se tempo precioso em um ambiente de mercado no qual é necessário ter a habilidade de inovação constante e veloz.


De acordo com Ries, esse é o gargalo para a aplicação do Lean Startup. Nessas empresas não existe um mecanismo, um processo, no qual essas descobertas, essa experimentação possa acontecer em escala. Mesmo as startups que cresceram, como as gigantes que já citamos, também passaram por dificuldades em articular times pequenos e multifuncionais em grandes operações. 


Nesse cenário nasce o Startup Way, que sugere um modelo por meio do qual é possível fazer com que uma grande empresa que opere de maneira Lean - com a agenda de sistema puxado, minimizar desperdícios, envolvimento das lideranças e busca pela qualidade - , ao mesmo tempo, seja capaz de se arriscar e inovar de maneira veloz. Para isso, Eric Ries propõe uma configuração inovadora: não se trata de um framework universal para toda a empresa, mas um modelo articulado entre dois formatos distintos de gestão que devem coexistir - e não se fundir - na mesma companhia: o General Management, como o modelo de gestão baseada no Lean Product System, e o Entrepreneurial Management, gestão de inovação e empreendedorismo baseado no Lean Startup.


Apesar de não se fundirem, esses dois universos devem compartilhar os mesmos valores calcados no Lean - compromisso com a verdade, disciplina, excelência e melhoria contínua -, além dos mesmos princípios - visão e propósito conjuntos, investimento em pessoas e pensamento de longo prazo. Esses princípios, por sua vez, sustentam quatro pilares: accountability, process, culture e people.



1 - Accountability - Enquanto o lado do General Management deve trabalhar para garantir o ROI, a redução de custos, o market share, as margens e o crescimento incremental; o Entrepreneurial Management deve cuidar do que Ries chama de innovation accounting, que são as métricas para inovação baseadas em aprendizado; indicadores sobre direções a seguir e Metered Funding em Inovação.


2- Process - para o General Management, Ries propõe fundamentos como hand-offs de função, economias de escala, padronização, controle de processos estáticos. Já para o lado de gestão de inovação, características diametralmente opostas: processos científicos e altamente interativos baseados no Build, Measure, Learning; economia de velocidade e experimentação, a construção de um portfólio de rápidos experimentos .


3 - Culture - De um lado, evitar falhas e mitigar riscos, previsibilidade e compliance, que pode ser resumido no princípio do Lean Six Sigma “failure is not an option”. Do outro, o princípio das startups “I eat failure for breakfast”, que pressupõe que falhas produtivas levam ao aprendizado, além do engajamento constante com inovação.


4 - People - pelo lado do General Management, a gestão tradicional requer ritmo constante. Enquanto do lado do Entrepreneur Management, pessoas em times cross-funcionais desbloqueiam novas possibilidades de crescimento.


Como resultados da aplicação desse modelo de operação articulado do Startup Way nas grandes empresas, Ries destaca o crescimento sustentável, o reforço moral dos times, a inovação e transformação contínuas. 



Coexistência sem resistência

Esses dois mundos devem ser complementares e cabe aos gestores fazer com que não haja competitividade e resistência entre eles. É importante que toda a empresa entenda a mudança de agenda e o novo vocabulário de inovação. Deve ficar claro, também, que não se trata de que todos devem tornar-se empreendedores. A mudança nessa direção acontece para adicionar a possibilidade de que aquele que queira executar suas funções de uma forma mais empreendedora possa fazê-lo, pois passa a existir um mecanismo estruturado que permite isso. Por outro lado, as equipes dedicadas à inovação devem estar conscientes de que o general management é o que torna possível que os produtos validados aconteçam em termos de crescimento e de profit no mercado.


“It's important to note emphatically up front that committing the entire organization to this method of working does not mean that every single team is reorganized around startup principles. Nor does it mean that every employee magically starts acting like an entrepreneur. Instead, the goal is to make it possible for startup teams to operate reliably and give every employee the opportunity to act in an entrepreneurial way”. 

Eric Ries, The Startup Way: How Modern Companies Use Entrepreneurial Management to Transform Culture and Drive Long-Term Growth, 2017


Para se tornar possível, esse modelo deve ser apoiado por gatekeepers functions como o RH, que deve adaptar seus processos e métricas para incentivar - de maneiras distintas - um general manager e um entrepreneur manager em termos de resultados. A TI e a Compliance também passam a ter que buscar novos formatos.



Roadmap de transformação para grandes empresas

Para ser realizável, o Startup Way deve ser implementado gradualmente. Pensando em termos práticos, Eric Ries traça um caminho formado por três passos básicos:


1 - Provar: Hora de formar massa crítica. Comece pequeno, construa equipes dedicadas e interoperáveis capazes de trazer resultados, desenhe uma boa experiência e crie novas formas de medir o sucesso. Para dar suporte a esses times, tenha executivos e líderes engajados no projeto. Em paralelo, traduza essa nova maneira de trabalhar em termos que todos da organização possam entender.


2 - Escalar: Depois da primeira fase, é hora de ultrapassar as fronteiras da experimentação e estabelecer esse novo modelo de operação na empresa como um todo. Identifique os desafios enfrentados por equipes e projetos piloto na fase um. Desenvolva e implemente os rollouts, identifique e aproveite os executivos mais preparados para o desafio, treine representantes de todas as funções internas, desenvolva e implemente um programa de coaching interno e reconfigure os mecanismos de métricas e crescimento.


Passada essas duas primeiras etapas, todas as empresas já têm o know-how de reinventar-se. Segundo Ries, na sua fala na Lean Startup Week, seria uma pena se a transformação constante não fosse aproveitada como uma nova capacidade em um mercado tão instável. E a terceira fase, fala exatamente disso.


3 - Padrões comuns: Nenhum. Essa é a fase na qual as organizações transformam seus processos internos mudando os "sistemas profundos" da empresa para apoiar a inovação constante à longo prazo.



Um olhar mais atento às pessoas

Apesar do detalhamento no roadmap, consideramos que uma questão fundamental para o sucesso do novo modelo de Ries fica em aberto: sem pessoas-chave como embaixadores das práticas e princípios, promovendo interação constante e frutífera entre equipes dos dois lados, ele não acontece. Pode haver um mapa, mas sem os capitães suportados pelo CEO e altos executivos desde o primeiro momento, não há movimento em direção aos objetivos. E aqui não estamos falando da necessidade de técnicas e profissionais de coach, mas de evangelizadores que têm como missão disseminar constantemente a nova cultura de interdependência e colaboração entre esses dois universos, inclusive na esfera executiva.


Só assim será possível criar uma operação que flua com agilidade entre a empatia com o cliente, ideação, prototipação, validação e produção em escala com a velocidade que o mercado exige. Sem esses personagens no processo, o risco é a criação de dois grandes silos e uma operação anti-Lean. 


À parte disso, o Startup Way traz propostas valiosas para viabilizar a inovação em empresas mais tradicionais e conduzi-las a usar o empreendedorismo como função tática e estratégica para transformar a sua cultura com foco em resultado de negócio lastreados verdadeiramente no que é valor para o cliente e na velocidade de tratar as incertezas inerentes de um contexto de experiências digitais. Tendo uma sólida base Lean, empresas podem se beneficiar enormemente com a aplicação desse modelo e conquistar a agilidade e o mindset de inovação em escala, características vitais para o novo ambiente digital.
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